sábado, 21 de setembro de 2013

Entrevista - Frans Dourado

Não tem introdução não: as melhores resenhas de música extrema que você lê na Roadie Crew são desse cara aqui, Frans Dourado. Conheça um pouco da história do redator, que sabe como ninguém escolher as palavras em cada um de seus textos. Aprenda como se faz!



Como começou seu interesse pela música “normal” e, posteriormente, pela extrema?

Frans Dourado: Meu pai sempre foi um grande admirador e consumidor de música. Uma das coisas que ele sempre lembra é de que quando saíamos no seu saudoso Fusca amarelo, a primeira coisa que eu pedia era que ele ligasse o “Du-du-du, da-da,da,da”. Esse era o meu modo de dizer “rádio” e fazia referência à música do The Police que tocava nas rádios da época, De Do Do Do, De Da Da Da
(http://www.youtube.com/watch?v=7v2GDbEmjGE). Passei pelos artistas infantis dos anos 80, mas comecei a ouvir música por conta própria por volta dos 10 anos e meus primeiros heróis na música foram A-ha e Duran Duran. A coisa começou a ficar mais séria quando minha rebeldia infanto-juvenil me jogou de cabeça no Rap e artistas como Run DMC, Public Enemy e NWA começaram a me pirar. Mas a mudança mais brusca e definitiva se deu quando fui apresentado ao disco Kill ‘em All por um amigo. Eu tinha 12 anos e esse fato fez com que eu devotasse minha vida à música pesada. Eu inclusive guardo comigo até hoje essa K7 original do Metallica, que acabei adquirindo desse amigo mediante um rolo besta com um gibi do Hulk. Depois disso vieram Black Sabbath, Iron Maiden, Sepultura, Slayer, Deep Purple e o que mais passava pelas rádios nos idos de 1991. O meu primeiro contato com Metal Extremo (Death/ Black/ Grind) se deu numa festa de garagem quando eu tinha 14 anos. Era o disco Utopia Banished do Napalm Death e a partir desse dia a busca pelo lado mais insano das manifestações sonoras teve início. E pelo jeito está longe de acabar.

 
Com Luciano Krieger e Barney Greenway

 

Como foi sua caminhada até começar a colaborar na Roadie Crew?

Frans Dourado: Minha primeira experiência nesse sentido se deu quando comentei o festival Monster of Rock de 1996 para o jornal da escola. Eu acabei indo de última hora e participado meio que sem querer de uns momentos mais marcantes da minha formação musical. Na semana que se seguiu ao festival um amigo do jornal me fez o convite e eu escrevi o texto de maneira despretensiosa, mas que me rendeu elogios até dos professores que menos gostavam de mim (risos). Era algo como “você escreveu ISSO???” Explico, apesar de sempre ter me saído bem em português, eu não era um exemplo de aplicação em Exatas. E como eu estava cursando um Curso Técnico em Química, a observação do professor, que era Engenheiro Químico, tinha sua razão de existir. Depois fiz algumas participações esporádicas em zines, tentei ter meu próprio, o Realidade Macabra, que não deu muito certo e cheguei a apresentar dois programas de rádio no ABC. Um se chamava Metal Massacre e foi ao ar nos idos de 95/96 na Independência FM de São Bernando, e em 98 eu apresentei um programa chamado Unholy Attack na Rota 99FM de Santo André. Esse último programa fez com que eu conhecesse alguns amigos que conservo até hoje, com a locutora Paula Baldassarri, da Rádio Eldorado FM de São Paulo e o meu amigo e padrinho de casamento Dney di Courel, um dos maiores entusiastas e divulgadores do Metal Brasileiro e que me convidou a participar de sua revista de Metal, a Skreemer. Infelizmente a revista só teve uma edição, mas foi minha primeira experiência mais séria com mídia impressa. Lá entrevistei o Krisiun pela primeira vez e pude praticar com mais afinco uma das coisas que mais se destacam no meu trabalho, a resenha de discos. Depois disso perambulei por mais alguns zines até ter a oportunidade de colaborar com a Rock Brigade por dois meses no ano de 2001. Cobri dois shows para ele, se não me engano um do Incantation e outro do Rebaelliun. Até que em dezembro de 2001 saiu meu primeiro artigo na Roadie Crew. Uma cobertura do show do Torture Squad na Fofinho, junto com Horned God e Funeratus, se não estou enganado. O Toninho Iron (Sepultura Official Brazilian Fan Club), foi a ponte entre mim e o Claudio Vicentin, editor da revista. Mas só passei a colaborar regularmente e fazer parte da equipe de colaboradores a partir de março de 2002, quando cobri o primeiro Extreme Metal Fest na Fofinho, que teve como atração principal o Monstrosity, artigo publicado em maio desse mesmo ano. 


Com Krisiun


Suas resenhas saem do óbvio e exploram elementos mais aprofundados, quase poéticos, às vezes levemente rebuscados. Que tipo de literatura o inspira para escrever desse modo?

Frans Dourado: Cara, leio menos do que eu deveria e gostaria, mas sempre brigo para dedicar parte do meu dia aos meus livros, revistas e de um tempo pra cá, ao que de bom tenho garimpado na Internet. Mais uma vez meu pai tem influência nisso, pois foi meu grande incentivador e muito do que absorvi até hoje em termos culturais eu devo à sua biblioteca. E por não ter limitado a um só tipo de literatura, busco em vários meios os subsídios para o que escrevo. E por ser um operador do direito desde 2002, a dureza do texto jurídico foi um novo elemento em minha redação, alargando um pouco mais as minhas possibilidades. Mas a minha grande escola para escrever sobre música foram as revistas e zines dos anos 80 e 90, sem falar de jornais diários e revistas semanais, esse tipo de publicação que há tempos tem se especializado em ser um depositário infinito de merdas.



Escrevendo para a Roadie Crew desde 2001, qual ou quais edições você leva consigo como mais marcante(s)? Ou mesmo entrevistas que realizou...

Frans Dourado: Além daquela em que foi publicada a cobertura do 1º Extreme Metal Fest, destaco as sessões “Blind Ear” que fiz com o finado Jesse Pintado (Napalm Death), Fantasma (Brujeria) e Anneke van Giersbergen. A primeira entrevista que fiz com o Krisiun para a Roadie Crew, publicada em dezembro de 2003, foi especial por ter sido bem abrangente e por ter sido realizada com os três irmãos Kolesne, num clima bem informal e regado a cerveja e pizza, também merece destaque. Os shows underground que tive o prazer de cobrir para a revista também merecem destaque, principalmente aqueles realizados no interior do estado de SP. Guardo com especial carinho as viagens para Estância Velha/RS, Joinville/SC e Campo Grande/MS, onde conheci headbangers e amigos com os quais mantenho contato até hoje.

Com Jesse Pintado e Alexandre Oliveira


Com Anneke van Giersbergen

E qual foi (ou está sendo) seu maior desafio na revista até então?

Frans Dourado: Arrumar tempo para escrever e não soar repetitivo. 


Você vive da revista ou tem outro emprego? Como é seu dia a dia?

Frans Dourado: Tenho um emprego formal, mulher, filho e não vivo da revista (risos). Isso explica a luta que é arrumar tempo para escrever sobre Metal. 



Tem outras atividades envolvendo a música extrema? Toca algum instrumento ou colabora com outros meios de comunicação?

Frans Dourado: Desde que entrei na Roadie Crew ela tem sido minha principal e na maior parte do tempo única atividade envolvendo música. Como no começo, eu colaboro esporadicamente com alguns zines e blogs, como o Metal Warriors de Teresina/PI e o Blog Intervalo Banger (http://intervalobanger.com/). Mas se já é difícil encontrar tempo para escrever na Roadie Crew, a tarefa é ainda mais dura quando tenho que colaborar com meus amigos. Deixo aqui meu agradecimento a eles pela paciência e prestígio ao meu trabalho. Já tentei tocar baixo e tive uma banda de Grind durante um tempo, mas vários fatores fizeram com que eu não desse continuidade ao meu lado músico. (risos)

Com Nile

O que aconselha aos que desejam se tornar redatores e escrever resenhas para divulgar a música, especificamente a extrema?

Frans Dourado: Não copiar o estilo do que vem sendo feito por aí e não se limitar a repetir o que os releases dizem. Pesquisar, se aprofundar e mergulhar no tema e evitar alguns bordões e gírias toscas. A Internet nos oferece muitos recursos e fontes, mas deve ser usada com cuidado. A facilidade de publicação de qualquer coisa faz com que muita merda seja colocada no ar. Zines impressos e revistas gringas especializadas ainda devem ser procuradas, pois muitas fornecem material de qualidade e nos brinda com uma mudança de foco, pois corremos o risco de ignorar certos artistas e aspectos da cena se nos limitarmos ao que a mídia brasileira e os produtores e gravadoras locais promovem.



Temos praticamente a mesma idade, mas comecei a curtir música extrema só por volta de 1993 e, na medida do possível, procurei acompanhar o underground. Como você vê a evolução da música extrema, considerando o número absurdo de bandas do estilo que vêm surgindo e as facilidades para se produzir discos, comparando com o cenário dos anos 80 e 90, quando o contexto era bem outro? Isso é, se você concorda com minha colocação...

Frans Dourado: Sou um saudoso incorrigível dessa época, que proporcionou ao mundo algumas das manifestações mais relevantes da música extrema. Não há como comparar o que se faz hoje com a produção desses anos maravilhosos, que vai principalmente de 1988 a 1993. Eles tinham um campo imenso à sua frente onde praticamente tudo poderia ser tentado, tudo poderia ser levado ao limite, pois o Thrash Metal já havia se esgotado e a busca por violência demandava outros desafios. Ainda temos grandes nomes surgindo, coisas geniais pipocando por todo o mundo. O problema é que parece ser mais difícil chamar a atenção hoje em dia, dada a enorme quantidade de bandas que aparecem. E nesse ponto, as bandas clássicas levam vantagem por já terem um nome estabelecido na cena e não precisarem ser apresentadas a todo o público. O perigo é que muitas estão acabando, se cansando ou procurando outros caminhos, sob o mesmo nome ou não. Mas tentar mudar isso é algo que passa pela melhora da educação do ouvinte de Metal como consumidor e crítico de música, o que ainda estamos muito longe de alcançar, pelo menos no Brasil. 

Com Cannibal Corpse


Lendo a mais recente edição da Roadie Crew, a edição #176, você resenhou o novo álbum do Carcass, “Surgical Steel”, falando do grande retorno dos ingleses, o que, guardadas as proporções, foi um dos mais esperados do mundo da música extrema. Inclusive brincou fazendo uma comparação com o do Black Sabbath. Na sua opinião, será esse mesmo o maior (e melhor) retorno?

Frans Dourado: Algumas voltas merecem destaque, mesmo que a banda volte apenas para fazer shows ou gravar um disco mediano, dada sua importância e a falta que ela fazia na cena. Mas quando uma banda volta e grava um disco que mantém o mesmo nível de seus maiores sucessos e com grande potencial para se tornar um dos grandes discos da história do estilo, esse fato deve ser festejado e celebrado. O Carcass é uma das bandas mais importantes, relevantes e influentes da história de todo o Metal. 



Da mesma forma, qual foi a maior decepção, nesse “quesito”? O último do Morbid Angel, por exemplo?

Frans Dourado: Sim, pois sua volta poderia ter o mesmo impacto que o retorno do Carcass. Veja, o problema principal foi a perda da “alma” do Morbid Angel, aquela sensação fúnebre que seus discos clássicos passam, mesmo aqueles gravados pelo Steve Tucker, como o “Formulas Fatal to the Flesh” e o “Gateways to Annihilation”. A volta do David Vincent representou a adição de elementos estranhos à aura do Morbid Angel. Ela deixou de ser uma banda maldita e passou a ser apenas um nome modernoso. A saída do Pete Sandoval e a entrada do Tim Yeung e do Thor Anders Myhren foram totalmente furadas. O Morbid Angel se modernizou, continua uma ótima banda ao vivo, mas se tornou irrelevante o que eles produzem. “Illud Divinum Insanus” é um disco patético.


Com Slayer (Tom Araya)


Por fim, quais bandas você ainda deseja que retornem de maneira tão triunfal quanto o Carcass?

Frans Dourado: Terrorizer, Repulsion e o Napalm Death da época do “From Enslavement to Obliteration”. Como a banda ainda está na ativa (e bem), ela poderia voltar como “F.E.T.O.”. O problema é que não sei se o Mick Harris aguenta, pois acho que ele se afastou totalmente do Grindcore e não sei nem se ainda toca bateria.



Poderia listar seus cinco álbuns favoritos?

Frans Dourado: Ultimamente tem sido:

Terrorizer – World Downfall
Napalm Death – From Enslavement to Obliteration
Sarcófago – INRI
Carcass – Symphonies of Sickness
Morbid Angel – Covenant
Nem numerei pois essa ordem de preferência muda muito, inclusive a entrada e saída de um ou outro nome. Mas a época dos lançamentos diz muito sobre o que eu curto.


Frans e "UnderBenton"



Agradeço demais sua entrevista, Frans. Por gentileza, deixe um último “salve” para seus leitores.

Frans Dourado: Agradeço imensamente o espaço cedido. E àqueles que acompanham meu trabalho: “Only death is real”! Guerreiro, Toninho.

Um comentário:

  1. Frans é foda. Também curto o que o cara escreve e as dicas de som bão que ele dá. Hail Frans!

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