Curto e grosso, a Facada já é
tida como uma das maiores (a maior, na opinião deste humilde entrevistador)
bandas do Grindcore nacional. E o recente lançamento do álbum “Nadir” (ler
resenha aqui)
apenas os manteve nesse topo. Com uma influência mais explícita de Black Metal,
o quarteto, formado por James (baixo/vocal), Dangelo (bateria), Danyel
(guitarra) e Ari (guitarra), abre novos horizontes, tão ou mais agressivos do
que os dos trabalhos anteriores. O blog Som Extremo entrevistou Ari, que falou
mais sobre o novo petardo e sobre o que rodeia o grupo, que está completando
uma década de vida em 2013. Confiram um bate-papo sincero e divertido.
PS: confiram também a entrevista com
James, realizada em 2011, aqui)
Som Extremo: Quem ou o que é “Nadir”? Tem algo a ver com astronomia e
geografia?
Ari Almeida: “Nadir” vem do árabe
(nazir) e significa várias coisas, entre elas, o ponto ou grau mais baixo, o
oposto de vértice. No nosso caso, utilizamos como o ponto mais baixo do ser
humano.
Som Extremo: O que é a intro e o a música meio macabra (ao contrário?) no
fim do disco?
Ari: A intro foi tirada de uma cena fantástica de um filme
maravilhoso de Werner Herzog chamado “Auch Zwergen haben klein angefangen” (“Os anões também começaram pequenos”) - https://www.youtube.com/watch?v=K_uFDSQ_Ius.
No final do disco, é um canto em latim tocado
ao contrário, tirado de “Monty Python
and the Holy Grail”.
Som Extremo: Troquei e-mails com James bem mais de um ano antes do
lançamento de “Nadir”, e ele me mostrou duas músicas de ensaio, já comentando
que teria uma pegada meio Black Metal no disco. Ouvindo o novo material,
percebe-se as influências do estilo principalmente nas guitarras. Como foi o
desenvolvimento dessa ideia? Proposital, imagino que não tenha sido, certo?
Ari: Acho que isso tem muito a ver com entrada do Danyel na banda,
que, assim como James, é grande fã de Black Metal. Eles inclusive montaram uma
banda fudida de Black Metal chamada Monge ano passado. No álbum “Indigesto”, já
tinha pelo menos uns dois riffs bem BM. No “Nadir”, essa influência ficou mais
na cara. Todo mundo na banda escuta de quase tudo, então é natural entrarem
coisas de estilos diversos, já que tocar Grindcore “puro” o tempo todo nunca
foi e nem será a proposta da banda.
Som Extremo: As letras, em geral, estão mais pessimistas do que nunca,
e em boa parte, na primeira pessoa. Por que? O que inspirou tanta revolta e
indignação?
Ari: Para não sentir revolta e indignação nesse mundo em que
vivemos, você tem que estar morto. Se você pensar bem, não estamos muito longe
de uma era de sociedades distópicas high-tech dominadas por “gadgets” e rede sociais servindo a imbecilização
completa dos seus cidadãos, que insistem em dar sua opinião sobre tudo, mesmo
quando não sabem de nada. Discharge nunca foi tão atual: “Free Speech for the
Dumb”! Não demonizo a tecnologia de forma alguma, a culpa é toda nossa pelo uso
ou desuso que fazemos dela. O futuro (o presente?) é um imbecil com um
smartphone na mão. Posso falar em relação ao que escrevi. Tem muita influência
de literatura e filmes, tem citações e apropriações indébitas aos montes. “Não
Verás País Nenhum”, de Ignácio de Loyola Brandão, influenciou pelo menos umas
duas letras. Quanto ao uso da primeira pessoa, tem muito a ver com a influência
da literatura, como se fosse um personagem contando, narrando ou divagando
sobre alguma coisa.
Som Extremo: Como surgiu a ideia da homenagem a Zé do Caixão em
“Josefel Zanatas”?
Ari: Já estava bem perto de o James gravar as vozes dos sons que
gravei e ele precisava urgente das letras um tempo antes para aprender e
encaixar melhor o vocal. Enrolei vários meses, até mandar faltando uma semana para
ele gravar. O problema é que pouco antes de mandar as letras, eu já tinha
começado todas, mas não tinha nenhuma pronta. Fiz uma correria e acabei todas,
menos “Josefel Zanatas” e “Altar de Sangue”, que mandei por último. A ideia de
homenagear o Mojica já era antiga e tomou mais força depois de ler a biografia
dele - “Maldito” - uns anos atrás. Eu tinha
esquecido disso completamente até que, num momento de falta de inspiração
absoluta, lembrei dessa ideia antiga e peguei o prólogo de “À Meia-Noite Levarei Sua Alma”, mais títulos de filmes deles e acrescentei umas frases. Encaixou tudo perfeito! Homenagem nossa a José Mojica Marins, que fez alguns filmes não menos que geniais!
“Altar de Sangue” foi outra letra que nasceu do desespero da falta de inspiração. Vou aproveitar e manifestar meu profundo desgosto por ninguém ter se manifestado até agora sobre essa letra! (risos) Não aprenderam o ABC metálico?
“Altar de Sangue” foi outra letra que nasceu do desespero da falta de inspiração. Vou aproveitar e manifestar meu profundo desgosto por ninguém ter se manifestado até agora sobre essa letra! (risos) Não aprenderam o ABC metálico?
Som Extremo: Como surgiu a oportunidade do lançamento pela Black Hole
Productions?
Ari: Se minha memória não falha, mandei nossa demo pro Fernando (N.R.:
Camacho, proprietário da BHP) em 2004, e em 2006, perguntei se ele não estava
interessado em lançar o “Indigesto”, que acabou não rolando. Ele soube que a
gente estava com material pro novo disco, nos escreveu e acertamos tudo. Demais
estar trabalhando com a Black Hole Productions, primeiro porque é um selo que
já lançava discos de bandas que gostávamos muito antes de o Facada surgir. Eu
era leitor da Black Hole Magazine. O Fernando é um cara fantástico, sem falar
que tudo que ele faz é 100%, só ver qualquer lançamento da BHP e conferir a
qualidade sonora e gráfica. Espero que essa parceria dure muito tempo!!
Som Extremo: Quanto à arte da capa, como foi sua concepção, e qual sua
relação com o título do disco?? É um rosto assustador...
Ari: Quem fez a arte foi um artista de Fortaleza chamado Everton
Silva, que é amigo de James e de Danyel.
James mandou o disco pra ele e disse que a gente queria preto e branco, e saiu esse rosto. Superou qualquer
expectativa, é simplesmente fantástico, não tenho palavras pra descrever!
Som Extremo: Como foi o planejamento para dividir as gravações das
guitarras entre você, que mora na Alemanhã, e Danyel?
Ari: Quando fui nas minhas férias para Fortaleza em 2011, ensaiei
duas vezes com o Dangelo. Encontramo-nos quinze dias depois e ele gravou a
bateria rapidinho, daquele jeito que só ele sabe. Cheguei a gravar uns sons,
mas não ficou legal e resolvi gravar as guitarras e baixo dos meus sons em
Berlim. Já que todo mundo virou stoner tchongueiro piscodelicus hoje em dia aí
no Brasil, o cara que gravou o disco é técnico de P.A. da Kadavar e toca na Samsara
Blues Experiment e na Heat, mais um bom motivo pra comprar o disco (risos). Por
questões financeiras, só fui conseguir gravar em maio de 2012, um ano depois,
quando o Danyel já tinha gravado o resto dos sons.
Som Extremo: E as participações de Marcelo Appezzato (Hutt), Jão (Ratos
de Porão) e John “The Maniac” Leatherface (Chronic Infest), como foram? Saiu
tudo como o planejado?
Ari: Conhecemos o Marcelo em 2006, em São Paulo, durante a
“Indigestour” e foi amor à primeira vista. A gente já gostava muuuito da Hutt e
curtia as letras dele, então rolou essa
ideia pra ele dividir os vocais em “Josefel Zanatas”, já que ele também é fã do
Mojica!
Eu escuto Rato de Porão desde
meus treze anos, já faz duas décadas! Na minha primeira banda com o Léo
(Diagnose), no início só rolava músicas do “Crucificados pelo Sistema”. É uma
banda que acompanha minha vida e o Jão é uma das minhas referências. “Altar de
Sangue” precisava de um solo foda, aí apareceu a idéia de chamá-lo, e o Capaça,
da Violator, o Jão pro solo do vinil e o Capaça pro solo do CD, só que acabou
não dando certo com o Capaça.
O Jão foi tão foda, que não
mandou um, mas três solos pra gente escolher!!!! Puta honra!!! Uma das grandes
emoções da minha vida de “músico” foi escutar esse solo pela primeira vez,
arrepiou! Nunca que aquele moleque de treze anos, pesando quarenta quilos, iria
acreditar que um dia o Jão solaria num som que ele fez.
O John é amigo do James, gente
boa, tocava numa banda foda e tem uma voz privilegiada. Preencheu todos os
requisitos para gravar num disco da Facada e fez bonito, ficou animal!
Som Extremo: Você consideraria “Nadir” o mais extremo da trajetória da
banda?
Ari: Não. Está mais brutal que “O Joio”, que saiu muito Death-metalizado
em algumas partes. Em certos momentos, o disco remete um pouco à demo e ao
“Indigesto”, pela simplicidade e crueza de alguns sons.
Som Extremo: Já pensam em algum videoclipe?
Ari: Até agora não! Se houver algum cineasta talentoso e não cobrar
nada, pode ser que role. Sem playback (se eu estiver presente)!
Som Extremo: Assim como em “O Joio”, “Nadir” também é um disco bem
curto. Você diria que é uma tendência para os futuros lançamentos da Facada?
Ari: Acho que é uma questão de estilo. Um disco de 45 minutos do
Facada iria encher o saco de qualquer um, por melhor que as músicas fossem.
Ninguém iria curtir o King Crimson tocando músicas de 1’30’’.
Som Extremo: Em 2013, o grupo completa dez anos de estrada. Além do
novo disco, planejam mais alguma forma de comemoração? A demo será relançada em
formato vinil de 7’’, correto?
Ari: Isso, a demo deve sair nos próximos meses. “O Joio” já foi
relançado em CD pela Everydayhate, da Polônia, o “Indigesto” vai ser relançado
em vinil pela Pecúlio Discos e temos propostas pra vinil também.
Som Extremo: Nesse tempo de banda, existe alguma história
curiosa/bizarra que nunca foi revelada para os fãs? Ou mesmo algum desabafo?
Ari: Setembro de 2006: tickets de avião pagos para tocarmos em
Salvador. Iríamos um dia antes do show para aproveitar a cidade, ir à praia,
pelourinho, e visitar Carlinhos Brown . Uma semana antes da viagem, até o dia
de viajar, perguntei todo santo dia pro James, ‘Que horas sai o vôo?’. ‘Meu
nego’, respondia, ‘às 14h30’. Eu – ‘Tem certeza?’, ‘meu nego, Tenho’. Esse diálogo
se repetiu por oito dias. Dia da viagem:
a caminho do aeroporto, pergunto se todo mundo está com a identidade. Dangelo
responde que esqueceu a dele na luthieria onde trabalha. Ele liga pro Erasmo,
que vai até o aeroporto voando com a identidade do Dangelo (eu e o James
tocamos com instrumentos feitos pelo Erasmo). Depois do primeiro drama,
chegamos ao balcão do check-in, que estranhamente não tem fila nenhuma.
Advinha? O avião tinha saído às 13h30 e
perdemos o vôo. A glicose do James subiu ou desceu, não lembro, só sei que ele
se sentou no chão do aeroporto e passou mal. Depois de se recuperar, começo a
sessão de xingamento e voltamos pra minha casa em busca de uma solução. Um
ônibus Fortaleza-Salvador saía às 17h00. Encaramos uma deliciosa viagem de 24
horas no ônibus, com direito a DVDs de Limão com Mel e Calcinha Preta. Adeus
pelourinho, praia e Carlinhos Brown. Nunca xinguei alguém tanto na minha vida
como o James nessa viagem. Depois de tocar em Salvador, fomos no dia seguinte
tocar em Aracaju e voltamos de ônibus
pra Fortaleza, mais 28 deliciosas horas dentro dum Expresso-Guanabara. Essa é
única história que dá pra contar.
Som Extremo: Por fim, como resumiria esses dez anos de existência da
Facada?
Ari: Facada é uma banda ética. Nunca fez sacanagem com nenhum
produtor, com nenhuma banda, nunca passou por cima de ninguém, nunca fez agrado
nem concessão, nunca babou ninguém, não tem pose de artista e nem mendigou
show. Mentira! Eu mendiguei o primeiro
show do Facada pro James e o Dangelo poderem completar o dinheiro da van que estava
levando a Diagnose e Discarga. Rolou em Natal, no MP3, e foi organizado pelo
querido Leandro, do Fratelli! Noite inesquecível.
Facada é acima de tudo amizade,
descompromisso, diversão e amor pelo que se faz. Como a imensa maioria das
bandas brasileiras, só temos prejuízo com a banda, ela não se sustenta, não
lucramos nada. O disco novo foi mixado e masterizado com dinheiro emprestado de
amigos. A banda nunca será gerida como
uma empresa, com reuniões, planos de metas, não extorquimos pessoas em trocas de
“likes” no Facebook, não ligamos pra quantidade de visualizações no You Tube,
não pagaremos pra sua assessoria de imprensa soltar notinhas sobre o NADA na
“mídia especializada”, a gente sobrevive por causa do nosso som, e não da imagem,
como um monte de banda. A gente sofre, mas é feliz e dorme tranquilo!
Nesses dez anos, conhecemos muita
gente legal e tocamos com grande parte
das melhores bandas brasileiras, e somos amigos dela, essa é a maior
recompensa.
Som Extremo: Agradeço demais a entrevista! Manda lá o seu palavreado
final!
Ari: Nós que agradecemos a oportunidade!! Muito obrigado a todos
que nos apoiam! Paz e amor!
Twitter: @facadanagoela
Essa história do Ari é calúnia.
ResponderExcluirmuito massa! to orgulhoso do primeiro show da minha banda(Epilepsy) que será em manaus, será tocando em conjuntos com várias bandas fodas da cena , entre elas, o Facada! som fudido!!!
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